Mais da metade dos rios brasileiros está ameaçada pela perfuração de poços. A informação é de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com colegas estadunidenses, e publicado em dezembro de 2024 na revista Nature Communications.
Os pesquisadores analisaram os níveis de água em 17.972 poços em todo o Brasil para mostrar que 55% deles fica abaixo das superfícies dos rios próximos, fazendo com que as águas penetrem no subsolo. Assim, os rios acabam perdendo fluxo de água.
"O alerta foi que em algumas regiões do país, a gente tem mais de 50%, até mais de 60% desses rios perdendo água para o aquífero. E lá nessas áreas a gente vai precisar de estudos mais detalhados para identificar qual o fator está realmente fazendo esse rio, que potencialmente ganhava água, agora estar perdendo. Ou se era um rio que já perdia e agora está perdendo mais", explica José Gescilam Uchôa, aluno de doutorado da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos, e primeiro autor do estudo.
A pesquisa indica que o problema é mais grave em regiões secas e de intensa atividade agropecuária. “Essa redução tem sido associada ao aumento da captação de água subterrânea, especialmente para irrigação, como observado em uma das maiores fronteiras agrícolas, conhecida como Matopiba [região que soma Tocantins e parte dos estados na Bahia, Piauí e Maranhão]”, indica a pesquisa.
“Isso estava acontecendo por causa do uso excessivo dessa água subterrânea principalmente nessas regiões”, explica Paulo Tarso Sanches de Oliveira, segundo autor do estudo, professor de hidrologia e recursos hídricos na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP).
O estudo alerta que a situação da perda de água dos rios não terá apenas impacto nas áreas locais, mas também poderá ter repercussões em larga escala, "uma vez que o Brasil desempenha um papel fundamental na segurança alimentar global, sendo um dos maiores produtores agrícolas do mundo".
A pesquisa publicada na Nature Communications focou no fenômeno da transferência de água dos rios para os aquíferos. No entanto, Uchôa indica que estudos regionais conduzidos em áreas de intensa atividade agropecuária, como o Matopiba, estabelecem a relação entre a seca dos rios e o consumo de água por essas atividades.
"A gente consegue indicar que as regiões que têm muita atividade agrícola são regiões também que, provavelmente, tem rios que perdem água para o aquífero", afirma o pesquisador. Ele alerta para uma estimativa da Agência Nacional de Águas (ANA), que indica que as áreas irrigadas no Brasil vão dobrar nos próximos 20 anos. "Talvez em algumas regiões a gente poderia fazer estudos preliminares para verificar se aquela região realmente é uma região ideal para receber a atividade agrícola", ressalta.
No oeste baiano, pequenos agricultores sofrem com falta de água
Para quem vive em regiões de avanço do agronegócio, a redução de água nos rios é visível e traz impactos nas atividades cotidianas, como o cultivo de pequenas plantações.
O servidor público Marcos Rogério Beltrão mora em Correntina, município no oeste da Bahia onde, há anos, os pequenos agricultores convivem com a falta de água. Nascido na zona rural, em uma comunidade tradicional, ele se sensibiliza com a escassez hídrica que impacta, principalmente, a agricultura familiar.
Em 2017, milhares de pessoas organizaram uma manifestação para denunciar o uso abusivo da água pelas atividades do agronegócio, conhecida como revolta de Correntina. Quase dez anos depois, a monocultura segue avançando sobre o território e os pequenos agricultores sofrem para manter suas plantações.